Todos deveríamos compreender
que a Libertação da Pátria é apenas a metade
do objectivo da independência.
Porque, depois da independência,
a Libertação do Povo constitui a outra metade do objectivo
da independência.
(Xanana Gusmão, 1999)
Ref.: JUS05-2002/02/25por
Assunto: A Indonésia arrasta o julgamento dos crimes cometidos em Timor Leste
Foi para evitar a constituição dum tribunal internacional para julgar os crimes contra a humanidade cometidos em Timor Leste que os dirigentes de Jacarta propuseram julgar os responsáveis num tribunal indonésio (ver OTL, JUS03-2001/09/02). No Conselho de Segurança, as Nações Unidas aceitaram essa proposta que contraria a recomendação da sua própria Comissão de Inquérito mas reservam-se ao direito de reconsiderar essa decisão se a justiça indonésia não respeitar as normas internacionais na matéria e não der satisfação às expectativas da comunidade internacional.
Os factos ocorridos nestes dois anos ilustram
as dificuldades da Indonésia para cumprir o compromisso de ser ela
própria a julgar os responsáveis e revelam a estratégia
usada para arrastar o caso. Alguns passos - uma lei, um acordo - são
dados quando as pressões externas se tornam mais fortes (visita
de Secretário Geral das NU, sessão da Comissão de
Direitos Humanos em Genebra) mas quando a pressão passa descobre-se
que falta uma promulgação para a lei ou uma aprovação
para que o acordo seja válido. Neste vaivém constante do
Governo para o Parlamento e do Parlamento para o Presidente morrem as promessas
feitas à comunidade internacional e ao povo de Timor Leste.
Desde os massacres e destruição
de Timor Leste em Setembro de 1999 a situação política
na Indonésia esteve agitada, houve 3 Presidentes da República
em 2 anos, Habibie, Wahid e Megawati. O Presidente Wahid tentou reduzir
o poder dos militares mas foi ele que foi demitido. A chegada de Megawati,
presidente do partido mais votado, augura maior estabilidade mas a suas
posições pessoais e as suas ligações aos militares
não permitem grandes esperanças para o julgamento dos crimes
cometidos por esses militares.
1999 -
SETEMBRO, 4 - Anuncio dos resultados
da ‘consulta popular’ organizada pelas Nações Unidas: 78,5%
dos Timorenses rejeitam a autonomia proposta pela Indonésia, rejeição
que abre caminho à independência.
· Massacres, destruição
(70-80%) e deslocação maciça de população
para a Indonésia (±300.000 habitantes em 800.000).
· Kofi Annan qualifica estes factos
de “crimes contra a humanidade”.
14 - Mary Robinson pede uma Comissão Internacional de Inquérito (CII).
15 - O Conselho de Segurança das NU (CS) decide o envio duma força internacional (res. 1264).
21 - Para evitar uma comissão de inquérito internacional o Presidente Yusuf Habibie apoia a criação duma comissão de inquérito indonésia (KPP) pela Comissão de Direitos Humanos oficial (Komnas HAM). «Devemos mostrar que a comissão (KPP HAM) é credível. e sendo não é preciso qualquer interferência das NU», diz Alwi Shihab, Ministro dos Negócios Estrangeiros.
23-24 - A Comissão de Direitos Humanos das NU reúne em sessão especial e aprova uma resolução que prescreve a constituição duma comissão internacional de inquérito aos acontecimentos desde o anúncio do voto, em Janeiro. A Indonésia opõe-se mas a resolução é adoptada com forte maioria (32-12), decisão aprovada pelo Conselho Económico e Social das NU (ECOSOC) em Novembro.
OUTUBRO, 8 - Uma lei provisória
(1/1999) do Presidente Habibie estabelece um tribunal especial que deverá
trabalhar com a KPP; são atribuídos poderes especiais aos
membros da KPP como ‘procuradores ad hoc’ para preparar as acusações.
· Eleição do Presidente
Abdurrahman Wahid.
25 - Retirada das Forças Armadas indonésias de Timor Leste.
NOVEMBRO - A Indonésia recusa a 3 relatores especiais das NU e entrada no Timor Ocidental.
24 - O Ministro da Justiça pede à assembleia legislativa (DPR) que aprove a lei 1/1999 sobre a constituição do tribunal especial. A resposta só será dada em Março de 2000.
DEZEMBRO, 15 - O Conselho de Segurança
(CS) “pede que os responsáveis sejam levados a tribunal” (resolução
1264).
· Alwi Shihab, declara: “não
entregaremos os nossos generais a um tribunal internacional”.
2000 -
JANEIRO - 25 - Alwi Shihab declara: “Estamos a tentar parar o tribunal internacional a todo o custo” e afirma poder contar com um veto [China] no CS. O porta-voz do MNE chinês, Zhu Bangzao, confirma. O sucesso “depende também do resultado da KPP” afirma Alwi Shihab.
31 - Relatório da CII: “Os crimes contra a humanidade descritos mostram um programa sistemático que resultou duma ampla planificação” só possível com apoio das forças de segurança indonésias. “As NU devem formar um tribunal internacional”.
· A KPP apresenta resultados semelhantes aos da CII e indica 33 presumíveis responsáveis entre os quais o general Wiranto, ex-comandante em chefe das FA e actual Ministro da Segurança e Assuntos Políticos.
FEVEREIRO, 7 – Sem acordo no Conselho de Segurança, Kofi Annan, a caminho da Indonésia, assume a inevitabilidade de recorrer a um tribunal indonésio mas “se a resposta dos indonésios não for julgada satisfatória o CS pode rever a questão”.
13 - O Presidente Wahid suspende o general Wiranto que recusava demitir-se mas declara que lhe concederá uma amnistia se for condenado.
15 - Chegado à Indonésia Kofi Annan mostra-se encorajado: “se o Governo indonésio mantiver esta linha e levar os responsáveis a julgamento não será necessário para o Conselho de Segurança criar um segundo tribunal internacional”.
17 - O Procurador Geral (PG) Marzuki Darusman
declara: “espero que os julgamentos possam realizar-se daqui a 3 meses”
[2 anos depois ainda estamos à espera].
· 3 meses é o prazo que
o Governo fixou, dizem os Ministros dos Direitos Humanos, Hasballah Saad,
e da Justiça, Yusril Mahendra.
18 - O CS pede à Indonésia um “processo legal rápido, amplo, efectivo e transparente, conforme às normas internacionais”.
MARÇO, 13 - O DPR rejeita o pedido de criação de tribunal especial formulado pelo Presidente Habibie e apoiado pelo Presidente Wahid.
30 - As pressões obrigam o DPR a iniciar a elaboração duma nova lei (26/2000) sobre este assunto.
ABRIL, 6 - A Administração Transitória das NU em TIMOR LESTE (UNTAET) e a Indonésia (o procurador geral) assinam um acordo ‘Memorandum of Understanding’ que prevê a troca de informações e a extradição para Timor dos acusados [somente as milícias e os militares de baixa patente ou também os oficiais superiores indonésios? ]. Kofi Annan qualifica o acordo de ‘passo importante’.
AGOSTO - Em paralelo com a elaboração
da lei 26/2000 o DPR procede à revisão do artigo 28 da Constituição
e estabelece: “o direito a não ser punido por leis retroactivas
é um direito humano que não pode ser modificado” [princípio
que não deveria aplicar-se aos actos “tidos por criminosos segundo
os princípios gerais do direito reconhecidos pelo conjunto das nações”
PIRDCP (Pacto Internacional relativo aos Direitos Cívicos e Políticos)].
Isso torna fácil a defesa, declara Mulyadi, advogado dos generais
suspeitos, porque o código penal indonésio condena os executores
de crimes mas não os que deram as ordens. Outro advogado dos generais,
Mohammed Assegaf, reconhece que a lei sobre o tribunal especial entrará
em contradição com a lei fundamental, mas os seus clientes
tiraram dela benefício porque a Constituição é
mais forte.
· O PG anuncia que os julgamentos
devem começar nas próximas semanas.
OUTUBRO, 17 - O PG anuncia que terminou
as investigações de 5 casos:
massacres nas igrejas de Liquiça
e Suai, massacres da casa Carrascalão e casa do bispo em Dili, morte
do jornalista holandês Thoenes, havendo 23 suspeitos.
NOVEMBRO, 6 - O DPR aprova a lei 26/2000. O PG anuncia que o tribunal poderá começar em Janeiro a julgar os 5 casos investigados, mas o DPR não envia a lei ao Presidente que deveria promulga-la.
DEZEMBRO, 1 - O PG indonésio
declara a Mohamed Othman, PG da UNTAET, que não pode satisfazer
o pedido de extradição de Eurico Guterres porque este é
acusado na Indonésia.
2001 -
FEVEREIRO, 23 - Mary Robinson ameaça que poderá ser formado um tribunal internacional se a Indonésia não julgar os suspeitos.
MARÇO, 21 - O DPR envia a lei 26/2000 ao Presidente Wahid.
ABRIL, 19 - Asmara Nababan, secretário da Komnas HAM reconhece na Radio Netherlands que “o melhor é criar um tribunal internacional. E a única via para fazer justiça”.
20 - Uma declaração de consenso na CDH em Genebra toma nota da proposta de lei do DPR e incita a estabelecer o tribunal “sem demora”.
23 - O Presidente promulga a lei (53/2001) que cria o tribunal ad hoc para crimes contra a humanidade em Timor Leste e Tandjung Priok (Indonésia). O Tribunal Supremo deve ainda escolher os juizes e a escolha deve ser ratificada pelo Presidente.
No caso de Timor Leste a lei especifica que o tribunal está habilitado a julgar os crimes cometidos “depois” da ‘consulta popular’ de 30 de Agosto de 1999. Este limite de tempo exclui 2 dos 5 casos instruídos (igreja de Liquiça e casa do Carrascalão).
· As NU protestam contra esta limitação no tempo e exigem uma nova redacção do decreto presidencial. Em resposta o porta-voz do PG esclarece que os crimes “investigados pela Komnas HAM, são considerados violações graves e serão investigados e julgados pelo tribunal [especial]”; os outros, anteriores ao voto e não investigados pela Komnas HAM, deverão ser julgados sob a lei geral por tribunais normais [só os executantes podem ser punidos].
JUNHO - O Presidente Wahid demite o PG, Marzuki Darusman, e nomeia Baharuddin Lopa que morre pouco depois.
AGOSTO, 1 - Um dos primeiros actos da nova Presidente, Megawati Sukarnoputri, é de produzir o novo decreto (96/2001) exigido pelas NU. Este novo decreto é recebido com satisfação porque restabelece os dois casos excluídos pelo decreto 53/2001 mas...
10 - numa carta enviada à UNTAET Megawati diz que o tribunal poderá julgar os casos verificados “entre Abril e Setembro de 1999 nos distritos de Liquiça, Dili e Suai”. Isto sugere novos limites: só 3 dos 13 distritos são abrangidos e muitos crimes como violações sexuais, destruições e deportações maciças poderiam ser excluídos.
15 - Megawati nomeia um novo PG, Muhammad Abdul Rachman. Rachman foi o chefe da equipa de procuradores e é considerado responsável pela retirada do general Wiranto da lista dos suspeitos.
· A data de início dos julgamentos é sucessivamente reportada: Setembro, Outubro, Dezembro.
NOVEMBRO, 27 - O PG indonésio informa o seu homologo Timorense que o “Memorandum of Understanding” assinado em Abril 2000 pelo seu predecessor é invalido: “não obriga legalmente porque não foi aprovado pelo Parlamento Indonésio”.
DEZEMBRO, 12 - O Tribunal Supremo enviou à Presidente uma lista de juizes para o tribunal ad hoc. A assinatura da Presidente Megawati é a única coisa que falta para começar os julgamentos que são mais uma vez adiados.
29 - Num discurso pronunciado no ‘dia do
Exército’ Megawati exorta as forças armadas: “Façam
o vosso trabalho o melhor possível sem angústia de acusações
de violação de direitos humanos. Façam o vosso trabalho
sem hesitações”.
2002 -
JANEIRO, 9 - O Ministro da Justiça declara: “hoje é o último dia” para Megawati assinar o decreto de nomeação dos juizes. No dia seguinte, à saída duma reunião com Megawati ele declara: “Expliquei [lhe] que o presidente só deve autorizar a nomeação dos juizes, a sua escolha foi tarefa do Tribunal Supremo”, que estabeleceu uma lista de 60 juizes.
É voz corrente que os militares, que apoiaram a demissão do Presidente Wahid e a nomeação de Megawati, estão a exercer fortes pressões. No seminário ‘a democracia indonésia em 2002’ Wiranto acusa publicamente Megawati e os seus predecessores de terem falhado: “nenhum deste Governos foi capaz de tirar a nação da crise”.
15 - Megawati aprova a nomeação de 30 juizes (12 de carreira e 18 ad hoc, universitários da área do Direito). A escolha levanta críticas por não haver membros de organizações de defesa dos direitos humanos e por não se saber quais foram os critérios de selecção. Os baixos salários propostos e a exclusividade durante 5 anos excluíram os juizes experientes.
· O número de suspeitos foi
novamente reduzido, são agora 18. Os 2 generais de nível
mais elevado, Wiranto e Zacky Anwar Makarim, e os 2 principais comandantes
das milícias, Eurico Guterres e João Tavares, não
fazem parte da lista.
1. O processo de criação do tribunal mostrou essencialmente a falta de vontade política dos diversos órgãos de poder indonésios e a sua estratégia de arrastamento do processo. Inúmeras vozes se levantaram para pedir a criação dum tribunal internacional, mesmo uma das personalidades indonésias mais implicadas no processo do tribunal indonésio, o secretário da Komnas HAM, considera que “é a única via para se fazer justiça”.
2. Só 5 casos foram instruídos do lado indonésio. Numerosas declarações fazem pensar que o tribunal ad hoc se limitará a esses 5 casos que, isolados, poderão não permitir a dedução da existência dum ataque sistemático e em grande escala contra a população civil, características necessárias para os classificar como ‘crimes contra a humanidade’ e poderão tornar mais difícil a prova da implicação dos principais responsáveis.
3. Todos os outros crimes, em particular as destruições e deportações maciças, que revelam um plano e uma execução dirigidos pelos mais altos escalões das forças armadas e do Estado, ficariam impunes.
4. Os processos instruídos simultaneamente pelo tribunal indonésio e pelo sistema judicial de Timor Leste no qual participam juizes estrangeiros nomeados pelas NU, serão os primeiros testes à vontade da Indonésia de respeitar os compromissos assumidos e a cooperação entre os dois sistemas. O caracter mediático que poderá suscitar uma comparação entre estes julgamentos realizados dos dois lados não pode fazer esquecer que cobrem apenas uma pequena parte dos crimes cometidos.
5. Confrontado com as dúvidas sobre a constituição e idoneidade do tribunal ad hoc finalmente estabelecido, o representante especial do SG das NU em Timor Leste, Sérgio Vieira de Mello, respondeu: “vamos julgar sobre os resultados”. Quanto tempo a comunidade internacional vai conceder ao tribunal para apresentar resultados? Já passaram mais de dois anos sobre os factos. A total ausência de balizas favorece a estratégia de arrastamento.
6. O julgamento não é vingança: “é indispensável para abrir caminho a uma verdadeira reconciliação em Timor Leste” afirmou a comissão de inquérito das NU, mas também para “encorajar as reformas democráticas na Indonésia e ajudar a evitar que os oficiais das FA responsáveis pela destruição de Timor Leste, a maior parte dos quais continuam a ter prestígio e poder, continuem a cometer atrocidades contra os cidadãos indonésios” (carta de 30 congressistas americanos a Colin Powell, 30-1-01).
Português língua:
Observatório
Timor Leste
Por em dia: Nov 15
* Duas Organizações Não
Governamentais portuguesas, a COMISSÃO PARA OS DIREITOS DO POVO
MAUBERE (CDPM) e o grupo ecuménico A PAZ É POSSÍVEL
EM TIMOR LESTE que, desde o início da década de oitenta,
se solidarizam com a causa do Povo de Timor Leste, tomaram a decisão
de criar o OBSERVATÓRIO TIMOR LESTE. A vocação do
Observatório Timor Leste é, no quadro das recentes alterações
do regime de Jacarta face a Timor Leste, o acompanhamento, a nível
internacional, do processo negocial e, no interior do território,
do inevitável período de transição que se anuncia.
No que concerne aos objectivos do Observatório
Timor Leste, eles poderiam ser listados do seguinte modo:
* Recolher e tratar, de modo sistemático,
informação sobre as matérias que interessam ao processo
negocial e à concretização da fase de transição
em Timor Leste;
* Estudar, com detalhe e rigor, casos
específicos que possam constituir elementos chave para a compreensão
do desenrolar do processo;
* Divulgar junto da opinião pública,
nacional e internacional, o resultado das pesquisas efectuadas;
* Efectuar, sempre que seja pertinente,
recomendações, que possam constituir uma contribuição
para a solução do problema.
R. Pinheiro Chagas,
77 - 2º Esqº - 1050 Lisboa - Portugal; Telefone: (+351-1) 317
28 60 Fax: (+351-1) 317 28 60
correio electrónico: cdpm@esoterica.pt
Português: http://homepage.esoterica.pt/~cdpm/framep.htm
Página de casa: http://homepage.esoterica.pt/~cdpm
Inglêsa língua:
East
Timor Observatory Updated Jan 25
ETO was set up by two Portuguese NGOs
- the Commission for the Rights of the Maubere People (CDPM) and
the ecumenical group Peace is Possible in East Timor, which
have been involved in East Timor solidarity work since the early eighties.
The aim of the Observatory was to monitor East Timor's transition process,
as well as the negotiating process and its repercussions at international
level, and the developments in the situation inside the territory itself.
E-mail: cdpm@esoterica.pt
Homepage: http://homepage.esoterica.pt/~cdpm/frameI.htm
Francês língua:
Observatoire
Timor-Oriental Updated Jan 25
Deux Organisations Non Gouvernementales
portugaises, la ‘Commission pour les Droits du Peuple Maubere’ et l’association
oecuménique "La Paix est Possible au Timor Oriental", qui se solidarisent
avec la cause du peuple du Timor Oriental depuis le début des années
80, ont pris la décision de créer un OBSERVATOIRE TIMOR ORIENTAL.
La vocation de cet observatoire est d’accompagner le processus de transition
du Timor Oriental, aussi bien le processus de négociation que ses
répercussions au niveau international et l’évolution de la
situation à l’intérieur du territoire.
courrier électronique: cdpm@esoterica.pt
URL: http://homepage.esoterica.pt/~cdpm/framef.htm
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